O Femen e eu

Por Sophie Gourion*

Tradução Jose Antonio Pano e Letícia Oliveira

Inna Shevchenko

Inna Shevchenko

Cara Inna, líder do movimento Femen na França,

Você perguntou nas páginas da revista Les Inrockuptibles “onde estão as feministas francesas?
Eu não vou tentar responder a esta pergunta tendo a pretensão de representar “as feministas francesas” já que o feminismo não é um movimento monolítico e eu não faço parte de qualquer associação oficial.

Ao invés disso, vou tentar explicar porque eu não me identifico com a sua idéia do que é o feminismo tentando não usar de slut-shaming ou sair distribuindo “carteirinhas” de feminista a partir de critérios subjetivos.

Em março passado, para minha surpresa, recebi um convite para participar de um “happening” ao lado de suas militantes. O happening consistia em reunir-se nos Jardins de Trocadero usando burcas e depois tirá-las e fazer topless com a finalidade de denunciar o fundamentalismo religioso. Eu pensei comigo mesma que vocês deveriam estar realmente precisando de manifestantes para chegar ao ponto de entrar em contato comigo. A realidade é que, aos 40 anos e mãe de dois filhos, eu já não sou como era aos 36 e meus seios já não são tão firmes e duros como os das ativistas que aparecem nas revistas.

"Better naked than the burka"

“Better naked than the burka”

Em relação à diversidade étnica, vocês parecem ter se esforçado para se esquivar da imagem estereotipada da ucraniana loira bonita, mas quanto à diversidade física não se pode dizer a mesma coisa. Certamente há mulheres com sobrepeso ou feias segundos seus padrões, mas elas não aparecem nas fotos. Temos que ter consciência de que não se atrai jornalistas com vinagre. Assim é a vida.

Vou ser bem clara: não tenho nenhum problema específico com a nudez quando se trata de reapropriação do corpo feminino. No seu caso, acredito que vocês jogam fora o conceito de reapropriação a partir do momento que entregam de bandeja à mídia uma nudez que está de acordo com os padrões da sociedade patriarcal: magra, firme, depilada e sexy. E acima de tudo, a nudez pode ser vista como subversiva e necessária para se fazer escutar na Ucrânia, mas aqui na França ela não é necessária.

Em setembro passado, vários meses após o happening das burcas, vocês desfilaram pelo bairro de Goutte d’or cantando “Francesas, tirem as roupas”. Fica claro que vocês fizeram da luta contra o véu o seu cavalo de batalha por falta de ideais mais consistentes. No entanto, não parece contraditório substituir a imposição de se cobrir com ordens para despir-se? Para mim, o feminismo significa que as mulheres são livres para escolher o que quer que seja sem a necessidade de substituir uma imposição por outra.

Além disso, ao dizer que a religião é o problema (neste caso, a religião muçulmana de acordo com você) é tão simplista e tão pouco produtiva quanto fazer manifestações em frente a um McDonald’s para lutar contra a fome no mundo. AS religiões monoteístas (sem estigmatizar nenhuma em particular) são todas machistas, entretanto não consigo me convencer de que suas ações vão conseguir algum tipo de mudança.
Você se perguntou na entrevista à revista les Inrockuptibles onde estavam as feministas francesas, as mesmas que as suas novas militantes descrevem como “intelectuais que parecem homens, que renegam sua sexualidade, mas que por serem mulheres continuam sendo femininas”. Um desfile de clichês dignos do pior misógino, mas foi dito por um movimento que se diz o novo feminismo. Por sorte existiram “cabeças pensantes” antes de vocês que conquistaram o direito ao voto, ao aborto e até mesmo o direito de protestar fazendo topless. Claro, algumas feministas são intelectuais, outras não, mas a reflexão, o debate e o confronto de ideias não é costuma usar de grosserias. E isto não existe em seu movimento. Seu (grande e confuso) programa é limitado, e consiste do “sextremismo”, grito de guerra da organização, e da luta contra a indústria do sexo, a religião e a ditadura.

As imagens, extremamente fortes, perdem o sentido por causa da sua estratégia e idéias. A combinação de slogans e imagens poderosas é boa, não há dúvidas. Mas suas palavras não têm tanto peso quanto seus atos.

Qual são seus verdadeiros programas e plano de ação? Ou eles se resumem à imagem ilustrativa de seu site, uma bela morena de topless com uma foice em uma mão e um par de testículos na outra? Vocês perpetuam a idéia errônea que se tem a respeito das feministas. O objetivo não é emascular os homens, roubar seu poder, mas simplesmente conseguir a igualdade entre os sexos.

Cara Inna, as feministas francesas estão aqui, com toda a sua diversidade e suas convicções, não finja que você não vê as conquistas delas. Ao contrário de você, elas não esqueceram o passado, não querem controlar a liberdade de expressão de outras mulheres e muito menos querem criar divisões. Elas pensam (ou não), são femininas (ou não), têm vida sexual ativa (ou não). E eu não vi nenhuma delas passeando com um par de testículos na mão.

Ativista segura foice e testículos cortados

Ativista segura foice e testículos cortados

Feminista de coração, sem pertencer a qualquer associação, fico feliz de pertencer a um movimento feminista que busca ampliar seus horizontes, sejam eles quais forem. Que existam mulheres que se reconheçam como feministas e tenham vontade de participar é sim uma ótima notícia No entanto, acho horrível o que vi do Femen, tanto pelos clichês sobre as feministas “históricas”, julgadas arrogantemente como antiquadas e invisíveis. Querer lutar contra a ditadura é uma ambição nobre, mas há que lembrar-se de que o pensamento também pode ser uma ditadura.

Sophie Gourion é blogueira, redatora web e feminista.
Publicado originalmente em francês aqui

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